terça-feira, 13 de novembro de 2012

Trecho: No Caminho de Swann



"Depois dessa crença central que, durante a leitura, executava incessantes movimentos de dentro para fora, em busca da verdade, vinham as emoções que proporcionava a ação em que eu tomava parte, pois aquelas tardes eram mais povoadas de acontecimentos dramáticos do que, muitas vezes, uma vida inteira. Esses acontecimentos eram os que sucediam no livro que eu lia; na verdade, os personagens a quem afetavam não eram "reais", como dizia Françoise. Mas todos os sentimentos que nos fazem experimentar a alegria ou o infortúnio de um personagem real só se produzem em nós por intermédio de uma imagem dessa alegria ou desse infortúnio; todo o engenho do primeiro romancista consistiu em compreender que, sendo a imagem o único elemento essencial da estrutura das nossas emoções, a simplificação que consistisse em suprimir pura e simplesmente os personagens reais seria um aperfeiçoamento decisivo. Um ser real, por mais profundamente que simpatizemos com ele percebemo-lo em grande parte por meio de nossos sentidos, isto é, continua opaco para nós, oferece um peso morto que nossa sensibilidade não pode levantar. Se lhe sucede uma desgraça, esta só nos pode comover numa pequena parte da noção total que temos dele, e ainda mais, só numa pequena parte da noção total que ele tem de si mesmo é que a sua própria desgraça o poderá comover. O achado do romancista consistiu na ideia de substituir essas partes impenetráveis à alma por uma quantidade igual de partes imateriais, isto é, que nossa alma pode assimilar. Desde esse momento, já não importa que as ações e emoções desses indivíduos de uma nova espécie nos apareçam como verdadeiras, visto que as fizemos nossas, que é em nós que elas se realizam e mantêm sob o seu domínio, enquanto viramos febrilmente as páginas, o ritmo de nossa respiração e a intensidade de nosso olhar. E uma vez que o romancista nos pôs nesse estado, no qual, como em todos os estados puramente interiores, cada emoção é duplicada, e em onde seu livro nos vai agitar como um sonho, mas um sonho mais claro do que aqueles que sonhamos a dormir e cuja lembrança vai durar mais tempo, eis que então ele desencadeia em nós, durante uma hora, todas as venturas e todas as desgraças possíveis, algumas das quais levaríamos anos para conhecer na vida, e outras, as mais intensas dentre elas, jamais nos seriam relevadas, pois a lentidão com que se processam nos impede de percebê-las (assim muda o nosso coração, na vida, e esta é a mais amarga das dores; mas é uma dor que só conhecemos pela leitura, em imaginação; porque na realidade o coração se nos transforma do mesmo modo por que se produzem certos fenômenos da natureza, isto é, com tamanho vagar que, embora possamos ver cada um de seus diferentes estados sucessivos, por outro lado escapa-nos a própria sensação de mudança)."

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