quinta-feira, 6 de junho de 2013

'No território da arte, não há democracia', diz Ariano Suassuna

Entrevista feita pela Folha de São Paulo com o escritor Ariano Suassuna em 28/07/2012

MORRIS KACHANI DE SÃO PAULO


Folha - Quais são os dez maiores romances da literatura universal, em sua opinião?
Ariano Suassuna - O senhor está falando com um arcaico. O número de escritores bons e excepcionais é reduzido. Os dez são somente sete: "Dom Quixote", "Crime e Castigo", "O Idiota", "Os Demônios", "Os Irmãos Karamázov", "Guerra e Paz" e "Em Busca do Tempo Perdido".

O sr. acompanha a produção contemporânea?
Não, porque não gosto nem tenho tempo. Ainda não li a obra inteira de Dostoiévski --por que vou perder tempo com esses romancistas de segunda categoria? Não existe arte nova ou velha, só boa ou ruim. Para mim, o último grande romancista foi Proust.

O sr. usa computador?
Não sou contra computador, mas não quero usar. Escrevo à mão e eu mesmo ilustro as páginas dos meus livros. Não é por princípio, é por prazer, eu só sinto prazer de escrever à mão.

E a internet?
Nunca olhei a internet. A velocidade da comunicação não é coisa boa. Arte exige vagar e dedicação exclusiva. O que vou dizer vai talvez te deixar chocado, mas infelizmente, no território da arte, não existe democracia. Nem pode existir. Cervantes só existe um. Ninguém chega a ele através do computador.

O sr. está preparando um novo livro...
Sim, posso adiantar o título, "O Jumento Sedutor". É uma homenagem a "O Asno de Ouro", do escritor Lucius Apuleio, do século 2, uma obra que me toca muito. Mas eu escrevo e reescrevo, já dei por pronto tantas vezes que estou desmoralizado.

Qual a importância do sertão na sua obra?
Todo universo de um escritor se forma na infância e na adolescência. E tudo na minha obra se passa dentro dos valores, das histórias e dos personagens que conheci até os 20 anos. Sou um ladrão desgraçado, copio o que eu vejo ou então roubo (risos).

O sr. assiste a TV?
Assisto novela. Das seis, das sete e das oito. Acho melhor que qualquer enlatado americano.

E gosta?
Eu não disse que gosto, eu assisto. Acho que novela vai de razoável a péssimo. Essas três que estão no ar são razoáveis. Mas não gosto muito quando fazem humor, é muito sem graça. O que mais me irrita são as cenas rurais com música em inglês.

Que acha do enfoque das tramas na classe C?
O ser humano é o mesmo em qualquer lugar, em qualquer tempo, em qualquer que seja a sua condição. Você pode ser rico ou pobre, mas os problemas que afetam verdadeiramente o ser humano são os mesmos.

Como enxerga o crescimento evangélico?
Eu acho que os evangélicos são equivocados. Lutero tinha razão na maior parte do que dizia. Mas errou ao sair da igreja, porque reforma pra mim é o que São Francisco fez, sem sair da igreja. Veja no que deu a separação de Lutero. Não é à toa que para a ética protestante a riqueza é sinal de amor de Deus, da preferência de Deus. Isso justifica todo o capitalismo.

Como enxerga o Brasil atualmente?
Como sempre vi, com uma preocupação pela secular injustiça que existe, separando os privilegiados dos despossuídos. Tem uma história que ilustra isso, do compadre que procurou o psiquiatra. "Doutor, eu vim aqui por que tenho complexo de inferioridade". Daí o psiquiatra disse, "você não tem complexo não, você é inferior mesmo". É o que eu digo, o fato é preocupante mesmo.

E os escritores brasileiros?
Dos vivos aqui no Brasil eu destaco um grande que é Raduan Nassar. Gosto muito de "Lavoura Arcaica", mas de "Um copo de cólera" nem tanto. Raduan é meu amigo, ele foi lá no Sertão conhecer minha criação de cabra. E foi ótimo, um encontro de primeiríssima ordem.

Qual a importância da religião na sua vida?
A inteligência humana tem uma centelha divina. Coloco como um marco de minha vida quando li uma frase dos irmão Karamazov, em que Ivan diz assim, "se Deus não existe, tudo é permitido". Sartre tirou essa dúvida, porque a frase é duvidosa. Ele disse: "Deus não existe, portanto tudo é permitido". Eu tirei a conclusão contrária, eu digo que nem tudo é permitido e portanto Deus existe. Ou a norma moral tem um fundamento absoluto, ou ficaria ao sabor da opinião individual de todo mundo, inclusive de estupradores e assassinos. Foi Deus que disse "não matarás". Sou católico praticante.

Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no1126704

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