terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Trecho: O Grande Gatsby

" Em meus anos mais vulneráveis de juventude, meu pai me deu um conselho que jamais esqueci:

— Sempre que tiver vontade de criticar alguém — ele disse —, lembre-se de que ninguém teve as oportunidades que você teve.

Ele não falou mais nada, mas sempre fomos excepcionalmente comunicativos de uma forma contida, e entendi que ele queria dizer muito mais. Como consequência, adquiri o hábito de me abster de todos os julgamentos, um costume que me garantiu o acesso a diversas naturezas curiosas e também me fez vítima de alguns maçantes inveterados. A mente anormal detecta e se apega muito rapidamente a essa qualidade quando ela se manifesta em alguém normal, e por isso ocorreu de, na faculdade, me acusarem injustamente de ser um homem político, só porque eu guardava as angústias secretas de homens extravagantes e desconhecidos. A maioria das confidências era involuntária — quantas vezes fingi estar dormindo, preocupado com outras coisas ou levianamente hostil ao perceber, através de sinais inconfundíveis, que uma revelação íntima se desenhava no horizonte; pois as revelações íntimas dos jovens, ou pelo menos os termos que usam para expressá-las, costumam ser derivativas e deturpadas por supressões evidentes. Abster-se de julgamentos é questão de esperança infinita. Até hoje evito cometer grandes equívocos lembrando, como meu pai orgulhosamente sugeriu e eu orgulhosamente repito, que o senso fundamental de decência é distribuído de forma desigual no nascimento.

E, após gabar-me assim da minha tolerância, devo confessar que ela tem limites. Um comportamento pode ser edificado na pedra ou nos pântanos mais lamacentos, mas a partir de certo ponto eu não me importo mais. Quando retornei do Leste no último outono, desejei que o mundo estivesse uniforme e em estado constante de vigilância moral; não queria mais saber de jornadas desenfreadas atrás de vislumbres privilegiados do coração humano. Apenas Gatsby, o homem que dá nome a este livro, se achava isento dessa minha reação — Gatsby, que representava tudo aquilo que me causava genuíno desprezo. Se a personalidade é uma série contínua de gestos bem-sucedidos, então havia algo de grandioso naquele homem, certa sensibilidade exaltada às promessas da vida, como se ele guardasse alguma relação com aquelas máquinas intrincadas que registram terremotos a quilômetros de distância. Essa receptividade nada tinha a ver com a frouxa vulnerabilidade que muitos qualificam de “temperamento criativo” — era um talento extraordinário para a esperança, uma prontidão romântica tal como nunca encontrei em ninguém e dificilmente tornarei a encontrar. Não — Gatsby saiu-se bem no final; é aquilo que estava à espreita em Gatsby, a espécie de poeira imunda que flutuava na superfície de seus sonhos, que matou temporariamente meu interesse pelas tristezas inúteis e pelas alegrias fugazes dos homens."

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